11 fevereiro 2012

Com mandacaru não tem água turva

Um dos cactos brasileiros de maior porte, com ampla distribuição tanto no semi-árido como em cerrados e florestas secas, o mandacaru (Cereus jamacaru) é usado como referência de caminho por sertanejos e mateiros. E também indica a proximidade da esperada estação chuvosa, como bem lembra a voz do velho Luiz Gonzaga, no verso “mandacaru quando flora lá na serra, é sinal que a chuva chega no sertão/toda menina que enjoa da boneca é sinal de que o amor já chegou ao coração”.

Pois agora, no Paraná, mandacaru também abre um novo caminho para o tratamento de água e já dá sinais de redução da poluição ao final do processo. A pesquisa é coordenada pelo químico e doutor em Química Analítica, Ricardo Fiori Zara, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Junto com alunos de Iniciação Científica, há um ano ele estuda a viabilidade de substituir os produtos comerciais à base de alumínio por polímeros naturais extraídos do mandacaru na coagulação/floculaçãopara decantação de sedimentos, que é a primeira fase do tratamento de água para abastecimento.
“Em 2011, testamos várias maneiras de extrair o polímero do mandacaru e comparamos a eficiência na floculação dos diversos extratos com os químicos comerciais, como o sulfato de alumínio, usado em 95% da água tratada no Brasil”, conta Zara. A parte do cacto utilizada foi o cerne do caule, em alguns casos, triturado e convertido em solução aquosa e, em outros experimentos, seco e moído até virar pó.
“O melhor resultado que obtivemos em laboratório foi com a extração em solução salina”, observa o pesquisador, ressaltando que a substituição do sulfato de alumínio não foi total, mas é superior a 50%. Ou seja, “o uso do mandacaru na floculação reduz pela metade a quantidade do produto químico, lembrando que o alumínio é um poluente que permanece no lodo final, enquanto o mandacaru é biodegradável”.
Vale acrescentar que boa parte das estações de tratamento de água (ETAs) brasileiras não dispõe o lodo final em aterros sanitários adequados, mas devolve o resíduo aos próprios rios e reservatórios de onde a água é captada. O alumínio persiste nos sedimentosdo fundo e pode voltar à coluna d’água sempre que há algum tipo de mobilização (enchentes, por exemplo, ou dragagem).
Outra vantagem do mandacaru sobre o sulfato de alumínio desencadear a floculação de 30 a 40% mais rápido. “E os flocos são diferentes: enquanto o sulfato de alumínio transforma as partículas em suspensão em flocos pequenos e pouco densos – portanto mais leves – o mandacaru agrega os flocos, deixando-os mais pesados”, prossegue o pesquisador. “Embora a qualidade da água resultante seja mais ou menos equivalente nos dois casos, o tipo de floculação do mandacaru facilita a separação (decantação): os sedimentos vão para o fundo e a água mais limpa permanece em cima, pronta para ser transferida para o tanque seguinte”.
Ainda faltam mais testes com outras combinações de mandacaru e sulfato de alumínio para chegar a uma dosagem padrão e para verificar se não há derivados tóxicos do cacto. As perspectivas são boas, pois, conforme a literatura científica consultada, não há registro de toxicidade pra o caule do mandacaru. Popularmente, inclusive, o cacto é usado como alimento para o gado em secas mais prolongadas e o caule também é consumido como medicamento popular, para males dos rins. De qualquer forma, os testes serão realizados.
“Neste ano de 2012, a intenção é continuar com a pesquisa de modos de aplicação e em maior escala, nas condições reais de estações de tratamento”, explica Ricardo Zara. “Além de realizar testes complementares como os de toxicidade do polímero de mandacaru, para os quais contaremos com a colaboração de colegas aqui da universidade”.
Até aqui, ele e os alunos não contaram com nenhum financiamento de instituições acadêmicas, apenas com materiais fornecidos pela UTFPR e pela ETA da cidade de Toledo (PR), onde a universidade está localizada. De qualquer modo, “trata-se de uma pesquisa de baixo investimento”, diz.
Baixo investimento e alto interesse, podemos acrescentar. Qualquer redução na quantidade de poluentes lançada em nossa água de beber é mais que bem vinda. Todas as empresas de água deviam acompanhar esta pesquisa!
Fonte: [ Planeta Sustentável ]

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